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10/06/2004

Palestra de Paulo Franchetti no CCBB

Paulo Franchetti, professor de Teoria da Literatura na Unicamp e autor do livro "Haikai - Antologia e História" (Ed. Unicamp, 1996), proferiu palestra com o título "O Haicai: a poesia do instante" no dia 5 de junho de 2004, no Centro Cultural do Banco do Brasil em São Paulo, dentro do ciclo "Novos Olhares sobre a Literatura", com curadoria de Carlos Emilio Faraco.

O auditório do CCBB lotado para a palestra de Paulo Franchetti

A preocupação de Paulo Franchetti é entender o que temos a ver com o haicai, uma tradição tão diferente da nossa. E sua resposta é que, quando olhamos e estudamos algo tão diferente, podemos retornar para a nossa propria tradição e olhar para nós mesmos de uma forma totalmente diferente, prestando atenção para aspectos que até então eram imperceptíveis.

O Professor Paulo recapitulou a história do haicai, lembrando que a poesia japonesa tradicional se estrutura na alternância de versos de 5 e 7 silabas, nascendo aí o princípio da justaposição, que veio a se tornar muito importante na poética do haicai. A alternância de versos evoluiu para uma alternância de estrofes, conectadas por uma relação sutil, favorecendo o seu uso como divertimento da nobreza, onde a uma estrofe-pergunta se seguia uma estrofe-resposta. Este divertimento evoluiu para uma forma literária conhecida como renga (versos ligados), onde se dava a alternância entre estrofes de 5-7-5 sílabas e estrofes de 7-7 sílabas, escritas por um grupo de poetas reunidos.

Dentro das regras do renga, a primeira estrofe, conhecida como hokku, deveria ser denotativa do tempo e do lugar em que o renga era feito. Deveria ainda conter uma palavra de corte, separando a estrofe em duas partes, consagrando assim o princípio da justaposição. Com o tempo, a primeira estrofe destacou-se do resto do poema, dando origem ao haiku, ou haicai.

Voltando ao renga, o seu caráter de poesia coletiva e não-competitiva deu origem a conceitos estéticos muito estranhos para nós ocidentais, dos quais se destacam o sabi (a solidão), o wabi (a pobreza) e o karumi (a simplicidade). Tais conceitos evoluiram no haicai de forma a valorizar neste a capacidade de dizer o mínimo com o numero suficiente de palavras, e não comprimir, como se pode supor, o máximo de significado no menor espaço possível. Dizer o mínimo, no sentido de que ao leitor seja dado espaço para dizer "aqui há alguma coisa". Esta forma de escrever gerou a idéia do haicai como caminho de vida, da prática do haicai como parte do cotidiano, do haicai como modo de se colocar no mundo através da linguagem, muito mais do que apenas uma forma poética. Com efeito, examinando as idéias de Bashô, o principal mestre do haicai, podemos extrair preceitos que serviriam muito bem para nortear o nosso dia-a-dia.

Seguiu-se a parte mais interessante da palestra, em que foram dissecados alguns poemas haiga, ou seja, desenhos de haicai. Não se trata de simplesmente anexar uma ilustração ao haicai, comentando-o, ou vice-versa. Trata-se de fundir harmoniosamente a grafia ao desenho formando um conjunto único. Através da análise dos traços, Paulo Franchetti demonstrou que a grafia (ou caligrafia) se subordina ao sentido do haicai, até mesmo desprezando o componente etimológico dos ideogramas, tão valorizado por Fenollosa, Pound e Haroldo de Campos. Num dos exemplos mais dramáticos, de Kempû,

A libélula
Inclina-se sobre a água,
O sol da tarde sobre todas as coisas.

uma libélula desenhada de maneira muito simples ladeia a caligrafia do haicai, em que seus traços encontram-se tão deformados que é impossível reconhecer a etimologia de seus ideogramas, sendo que se acrescenta o fato da maior parte do poema ser escrita em caracteres fonéticos. Com efeito, o ideograma para "água", da maneira como encontra-se desenhado, não relembra "filetes de água vertente", segundo Haroldo de Campos, mas na verdade deforma-se a ponto de se parecer com a libélula desenhada ao lado. Sendo assim, poema, caligrafia e desenho fundem-se num todo estético. Para alguns dos presentes, esta exposição tentou desmantelar uma das mais caras teorias de Haroldo de Campos e do Concretismo.

Haicai e desenho de Kempû: a escrita a reboque do conteúdo

O mesmo haicai, tipografado.

Já na parte de perguntas do público, algumas levaram a respostas muito interessantes.

Questionado se a poesia de Alberto Caieiro, heterônimo de Fernando Pessoa, teria alguma semelhança com o haicai, o palestrante respondeu que sim, mas observando que, enquanto o haicai, com sua ênfase na sensação, corresponde a uma "epifania do instante", o que a poesia de Caieiro demonstra sempre é um homem em constante preparação para uma vida bucólica, mas sem nunca concretizá-la.

Quanto a se a trova, dentro de nossa tradição, guarda semelhança com o haicai, tambem respondeu que sim, pois há nela a justaposição, como no haicai. Entretanto, a trova sempre é um jogo intelectual, longe da concretude do haicai.

Por fim, questionado quanto à presença da metáfora no haicai, o Professor Paulo admitiu que existem haicais com metáforas, como este, de Bashô,

Se a tomasse nas mãos
Derreter-se-ia em lágrimas quentes --
Geada de outono.

onde o poeta fala da tristeza de ter nas mãos uma mecha de cabelos brancos da mãe morta. A diferença em relação a outros tipos de poesia seria que o haicai sempre pode ser lido no sentido literal ou objetivo. A geada pode ser simplesmente geada ou então representar os cabelos da mae morta. Já numa frase como "Maria é uma rosa", não existe sentido literal possível, apenas a metáfora.

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