ANTOLOGIA DA RÃ
esmo num pequeno poema como o haicai, são infinitas as possibilidades de tradução. Tomemos o famoso haicai de Bashô, provavelmente composto em 1686. Em japonês, teríamos: furuike ya/ kawazu tobikomu/ mizu no oto. Literalmente: O velho tanque - Uma rã salta. Barulho de água.
Supõe-se a atividade de tradução como reproduzir com a máxima fidelidade um conteúdo escrito, produzido em outra realidade cultural. Mas, se a começar da língua, os próprios universos do tradutor e do traduzido são completamente diferentes, não seria contraditório esperar por esta fidelidade? Quando muito, o que teríamos seria uma pálida versão da idéia original, tão fiel quanto consiga (e deseje) encontrar correspondências culturais entre os dois ambientes.
Neste sentido é que poderemos entender as traduções abaixo, tanto as stricto sensu como aquelas que, sem se declararem como tal, deliberada ou inconscientemente plagiam o haicai mais famoso de todos os tempos. Pois o plágio, visto por outros olhos, não passa de uma espécie de homenagem. E na classe das homenagens é que entram os poemas alusivos que, explicitamente fazendo as honras ao simpático batráquio, não perdem de vista a longa tradição iniciada com o venerável mestre japonês e que hoje deita firmes raízes em solo tupiniquim.
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Lago vetusto:
A rã se lança n'água
Com estrépito!
Anônimo
Portal, julho de 1987 |
Em pleno luar,
Ao duplo salto de um sapo,
Seguiu-se um desmaio.
Abel Pereira
Mármore Partido,1989 |
VELHO LAGO
MERGULHA A RÃ
FRAGOR D'ÁGUA
Alberto Marsicano
Haikai,1988 |
Velho tanque abandonado ao silêncio...
lança-se a rã num mergulho:
quase inaudível som da água.
Antônio Nojiri
Poesia japonesa, 2005 |
A Rã
Coro de cor, sombra de som de cor, de mal me quer
De mal me quer, de bem, de bem me diz
De me dizendo assim: serei feliz
Serei feliz de flor, de flor em flor
De samba em samba em som, de vai e vem
De verde, verde ver pé de capim
Bico de pena, pio de bem-te-vi
Amanhecendo sim perto de mim
Perto da claridade da manhã
A grama, a lama, tudo é minha irmã
A rama, o sapo, o salto de uma rã
Caetano Veloso e João Donato
in Caetano Veloso Songbook, de Almir Chediak (ed.), 1997 |
silencioso lago
o sapo salta
tchá
Carlos Verçosa, tradutor de Octavio Paz
Oku: viajando com Bashô,1996 |
No velho tanque
Uma rã salta-mergulha
Ruído na água.
Casimiro de Brito
Uma rã que salta: homenagem a Bashô, 1995 |
Velho tanque.
Uma rã mergulha.
Barulho da água.
Cecília Meirelles
Escolha o seu sonho, 1974 |
Num velho lago há
barulho de rã: mergulho
que se desfaz na água...
Cesar Veneziani
Bar do escritor -- Antologia barnasiana, 2018 |
Embaixo do tanque
Não encontro o que procuro
Uma rã me assusta.
Clóvis Moreira dos Santos
Haicais - 1a Antologia 2001, 2001 |
Rã
No lago, mergulha
uma rã... Na água, a manhã
verde-azul borbulha...
Cyro Armando Catta Preta
Moenda dos Olhos, 1986 |
Perereca
Elástica... pula...
Risco acrobático, arisco.
A poça se ondula...
Cyro Armando Catta Preta
Palhas do Tempo, 1993 |
VELHA
LAGOA
UMA RÃ
MERG ULHA
UMA RÃ
ÁGUÁGUA
Décio Pignatari
citado em Matsuo Bashô, de Paulo Leminski, 1987 |
Tanque envelhecido
uma rã nele mergulha
um barulho n'água!
Delores Pires
O livro dos haicais, 2001 |
O salto da rã
caiu-me no ombro
e ela no charco
Dinis Lapa
De frente para o mar (antologia), 2010 |
Superfície verde.
A rã mergulha quebrando
a tranqüilidade.
Eduardo Martins
Poemas japoneses, 1950 |
chuá, chuá
coach, coach
tchibum!
Estrela Ruiz Leminski
Cupido: cuspido, escarrado, 2004 |
Uma rã saltando
blum o rio também
pula alforriado
Fernando Sérgio Lyra
Planos de Gaivota, 1996 |
Ah! o antigo açude!
E quando uma rã mergulha,
o marulho da água.
Guilherme de Almeida
Acaso: versos de todo tempo, 1938 |
No velho poço
plop e some, tão fria
a rã de Bashô
Gustavo Alberto Corrêa Pinto
Gotas de Orvalho, 1990 |
| | o velho tanque
| | | rã salt'
| | | | tomba
| | | | | rumor de água
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Haroldo de Campos
A arte no horizonte do provável, 1969 |
camões revisto por bashô
| as rãs |
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| daqui e dali | s | | l | | a | | d |
| | | a | | t | | n | | o
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| o charco soa |
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Haroldo de Campos
Crisantempo: no espaço curvo nasce um, 1998 |
Ah! o velho rio!
e quando uma rã mergulha
o barulho que faz a água!
Henrique Pongetti
Manchete, 12/12/1953 |
Que salto da rã
na bacia cheia d'água!
Ah... Mestre Bashô...
o salto da rã
sobre a folhagem
contorce o verso
Jaime Vieira
Hai-kais ao sol (antologia), 1995 |
Verde
Na lâmina azinhavrada
desta água estagnada,
entre painéis de musgo
e cortinas de avenca,
bolhas espumejam
como opalas ocas
num veio de turmalina:
é uma rã bailarina,
que ao se ver feia, toda ruguenta,
pulou, raivosa, quebrando o espelho,
e foi direta ao fundo,
reenfeitar, com mimo,
suas roupas de limo...
João Guimarães Rosa
Magma, 1997 |
BASHO
lago
sapo voa
lagoa
Joaquim Pedro Barbosa
Caderno Verde, 2006 |
Quebrando o silêncio
de charco antigo, a rã salta
na água, ressoar fundo.
Jorge de Sena
Poesias de 26 séculos, v.2, 1960 |
O velho tanque
uma rã mergulha
dentro de si.
Jorge de Souza Braga
O gosto solitário do orvalho, 1986 |
No velho tanque
uma rã mergulhando:
Barulho d'água
José Lira
A sombra do viajante -- Haicais de Bashô, s/d |
o tanque estanque
mergulho de rã: t
SHI
bun !
circunfluindo ...
Josely Viana Batista
jornal Gazeta do Povo, Curitiba, s/d |
Na beira do charco,
coaxa o sapo-ferreiro
e acorda o silêncio.
Leda Mendes Jorge
Haicais, 1999 |
Na antiga lagoa
pro fundo uma rã mergulha.
Barulho das águas.
Lena Jesus Ponte
Na trança do tempo, 2000 |
Salta a rã no lago
((((( o tremor da água se espalha )))))
mergulha em galáxias.
Lena Jesus Ponte
Na trança do tempo, 2000 |
Ao pular de um sapo,
as águas do velho lago
se abriram sonoras...
Luís Antônio Pimentel
Tankas e haikais, 1953 |
Um velho lago parado... cerrado... calado...
de águas turvas e tranqüilas,
realizava, no deslumbramento da noite clara,
seu sonho antigo de ser espelho...
Seu fundo lodoso e sombrio
refletia, cheio de orgulho,
um cortejo relumbrante de estrelas,
quando um sapo, asqueroso e profano,
saltou sobre ele,
arrancando de suas águas
um arrepio de pavor
e um gemido estrangulado de agonia...
Luís Antônio Pimentel
Tankas e haikais, 1953 |
Água resmungona...
No tanque limoso
o pulo da rã.
Luiz Bacellar
Satori, 1999 |
Das mãos do menino
Para dentro da lagoa
O salto da rã.
Mahelen Madureira
8a. Antologia Grêmio de Haicai Caminho das Águas, 2010 |
O pulo
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Estrela foi se arrastando no chão deu no sapo
sapo ficou teso de flor!
e pulou o silêncio
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Manoel de Barros
Arranjos para Assobio, 1982 |
As pererecas
pulam no lago verde
A água suspira
Maria Apparecida Arruda
Hai-kais ao sol (antologia), 1995 |
Sobre o tanque morto
Um ruído de rã
Que mergulha.
Maria Ramos, tradutora de Osvaldo Svanascini
Três mestres do haikai: Bashô, Buson, Issa,1974 |
Nem grilo, grito, ou galope;
No silêncio imenso
Só uma rã mergulha plóóp!
Millôr Fernandes
Hai-kais, 1986 |
águas paradas
mal pula a rã se inundam
de ondas sonoras
Nelson Ascher
Folha de S.Paulo, 19/01/2004 |
Na grama da praça,
a rã salta, salta e assusta
a moça que passa.
Nilton Manoel
Poesia Mágica (Haicais), 2008 |
Ploc! Uma rã pula
no silêncio da lagoa,
e o silêncio ondula.
Oldegar Vieira
Gravuras no vento, 1994 |
Sobre o tanque morto
um ruído de rã
submergindo.
Olga Savary
O livro dos hai-kais, 1987 |
Ah, o velho lago.
De repente a rã no ar
e o baque na água.
O velho tanque
Uma rã mergulha,
Barulho de água.
Paulo Franchetti e Elza Doi
Haikai, 1990 |
velha lagoa
o sapo salta
o som da água
Paulo Leminski
Matsuo Bashô: A Lágrima do Peixe, 1983 |
MALLARMÉ BASHÔ
um salto de sapo
jamais abolirá
o velho poço
Paulo Leminski
La vie en close, 1991 |
No tanque vetusto
um estalido na água:
o salto da rã!
Primo Vieira
Bashô - Palhas de arroz, 1994 |
Plenitude
A água está parada.
Uma rã salta no musgo.
Olho. E mais nada.
Raul Machado
As Cinco Estações, 1993 |
velho tanque
a rã salta
som do baque n'água
Regina Bostulim
Armadilha de Polvos, 2003 |
O tanque rachado.
Um fio de água molha
a pata da rã.
Roberto Saito
Fúrias - Faíscas - O grande silêncio, 1992 |
num antigo tanque
barulhento rumor d'água
a rã de Bashô
Roberto Schmitt-Prym
Onde o Vento Aumenta a Sombra, 2019 |
O sapo mergulha:
N'água fria da lagoa
uma pedra parda.
Ronaldo Bomfim
Essências e medulas, 2000 |
Rã
Com seu pulo mole
mergulha... A água borbulha
e num gole a engole...
Sebas Sundfeld
Sínteses Poéticas, 2002 |
Um velho tanque:
salta uma rã zás!
esquichadelas.
Sebastião Uchoa Leite, tradutor de Octavio Paz
Signos em Rotação, 1971 |
O sapo pulou
no velho tanque vazio
e... espatifou-se.
Sérgio Dal Maso
Natureza - Berço do haicai (antologia), 1996 |
No velho tanque,
saltou uma rã. O bulício...
Tei Okimura
A poesia e os japoneses: o "haikai" in: Brasil e Japão, duas civilizações que se completam, 1934 |
Ruidosas crianças
Afugentam da lagoa
As rãs de Bashô.
Teruko Oda
Relógio de sol, 1994 |
No capim que cresce
A pequena rã mergulha
Tarde cinza-chumbo.
Teruko Oda
Haicai - A poesia do kigô, 1995 |
Um templo, um tanque musgoso;
Mudez, apenas cortada
Pelo ruído das rãs,
Saltando à água, mais nada...
Wenceslau de Moraes
Relance da alma japonesa, 1925 |
O sapo, num salto
cresce ao lume do crepúsculo
buscando a manhã
Zemaria Pinto
Fragmentos de Silêncio, 1996 |
O poema de Bashô e o zen
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24 de setembro de 2024
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