O Haicai no Brasil
H. Masuda Goga


A COMPOSIÇÃO DE
HAICAI E AMOSTRAS

Penso que tenha começado na década de 1920 o esforço de abrasileiramento do haiku, isto é, tentativas de exprimir em português as qualidades de concisão e mistério (sabor de haiku) dessa modalidade poética japonesa. Mas, a mais antiga coletânea de haicai é Haikais de Waldomiro Siqueira Júnior (um livro elegante, contendo 56 poemas, um poema por página). Já ficou dito que essa obra foi publicada em São Paulo, em janeiro de 1933.

Diante desse fato, parece tratar-se de um evidente equívoco, a informação do cônsul geral do Japão em São Paulo, Kozo Ichige (cujo nome hacaístico é Gyôsetsu), dada no ano de 1933, em carta a Kyoshi Takahama, junto com uma tradução parcial de Meus Haikais: "Existem várias pessoas (no Brasil) interessadas na forma de haikai, parece-me porém que o sr. Guilherme de Almeida é o único a compor haikais".

Posteriormente, em outubro de 1939, Jorge Fonseca Júnior publicou em São Paulo Roteiro Lirico (Haikais) e, em 1940, Do Haikai e em seu Louvor, merecendo elogios da crítica.

1940, véspera da eclosão da guerra do Pacífico, o Japão já combatia na China continental, mas continuavam normais as relações entre o Japão e o Brasil. Em abril do mesmo ano, vinte e dois estudantes da Universidade de São Paulo organizaram uma caravana cultural para visitar o Japão. Jorge Fonseca Júnior participou da caravana e, durante sua estada no Japão, avistou-se com Kyoshi Takahama, enriquecendo seus conhecimentos sobre o haiku - fator muito positivo na evolução do seu haikai.

A propósito, Mário Miranda, chefe da caravana cultural que visitou o Japão, publicou antes da viagem a Tóquio, pelo Grêmio Cultural Brasileiro-Nipônico, Observações sobre o Japão, referindo-se ao haiku no capítulo "O Haikai e o Velho Bashô".

Julho de 1941: a suspensão da publicação de todos os jornais de língua nipônica marcou o inicio da "crise cultural" na colônia. Entretanto, no mesmo ano de 1941, Oldegar Vieira dava a lume Folhas de Chá (primeira coletânea) e Abel Pereira, a coleção de versos Meu Livro, ambos da Bahia.

Expusemos até aqui a situação do haicai do período anterior à guerra. Todavia, podemos registrar um fato real e auspicioso: mesmo após 29 de janeiro de 1942, data em que o Brasil cortou relações diplomáticas com o Japão, o haicai continuou sendo pesquisado, estudado, composto e publicado no Brasil. Referimo-nos aos haicais divulgados no Anuário do Oeste Brasileiro, por Jorge Fonseca Júnior, ano de 1943 (formato grande, medindo 20 x 30 cm). Na página 39 do Anuário, encontramos haicais do editor e de mais três poetas, além de um artigo do próprio Jorge Fonseca Júnior sobre o assunto (aliás, já mencionado). (Sobre os haicais, ver adiante "Exemplos de Haicai") .

No pós-guerra, Jorge Fonseca Júnior divulgou freqüentemente haicais de sua autoria na página portuguesa dos jornais japoneses publicados em São Paulo: Jornal Paulista e Diário Nippak. Talvez por sua influência, houve uma época em que os haicaístas competiam em divulgar seus trabalhos.

A 14 de abril de 1946, o jornal Correio Paulistano (São Paulo) publicou uma "colaboração especial" com o título de "Hai-cai - o menor cálice em que se toma poesia". O autor era Méricles Santos, do Pen Club da cidade de Taubaté, São Paulo. O trabalho foi divulgado em meio a grande confusão reinante na colônia japonesa no pós-guerra (um grupo que não acreditava na derrota nipônica, chamando de "derrotistas" e "anti-nipônicos" aquele que reconheciam o revés sofrido pelo Japão, chegou a cometer assassínios).

Um povo assim, cruel assim, bárbaro assim, que fere por prazer e mata por sadismo, possa flores regar, à tarde, no jardim.

Trata-se de uma alusão indireta ao fato de nem todos os japoneses serem assassinos. E, ao mesm tempo em que apresentava haicais de Jorge Fonseca Júnior, Gil Nunesmaia, Oldegar Vieira e Guilherme de Almeida, concluía o artigo declarando: "Eu [haicai] sou pequeno mas só fito os Andes!"

Entrementes - não sabemos se com referência irônica direta ao artigo citado - Agripino Grieco, crítico literário, conhecido pela sua mordacidade nas críticas, escrevia na edição de 17 de novembro do mesmo ano do Diário de São Paulo: "Por que os poetas brasileiros, ao invés de imitar haikais, não imitam japoneses que praticam o harakiri?" Na época, o Shindo Renmei e outras organizações suspeitas agitavam a sociedade brasileira. No ano seguinte, dia 9 de julho (data comemorativa da Revolução Constitucionalista de São Paulo de 1932), era publicada a coletânea Poesia Vária de Guilherme de Almeida (nova edição em 1976), em cuja segunda parte figuram 43 haicais. No mesmo ano, Rosemary de Barros divulgou cinco haicais, fortemente influenciados por Guilherme de Almeida, na revista A.S.S.A., do Centro Acadêmico da Universidade Católica de São Paulo. A seguir, em fevereiro de 1949, Fanny Luíza Dupré publicava a coletânea Pétalas ao Vento - Haicais , com prefácio de Fonseca Júnior. Esta coletânea foi notícia por duas vezes, no dia 7 de maio e 2 de junho do mesmo ano, no Jornal Paulista. Chiang Sing (seu pai, descendente do famoso poeta brasileiro Castro Alves, foi cônsul do Brasil em Ting-Tao, China), muito popular como colaborador da revista feminina Fon-Fon, editada no Rio de Janeiro, na qual publicava suas poesias, enviou uma carta ao autor deste livro, em 20 de janeiro de 1950 juntamente com cinco poesias de três linhas. Em 28 do mesmo mês e ano, Maria Luíza Afonso dos Santos também nos enviou 41 poemetos. Ambas imitavam o haicai.

Desde então até hoje, poetas e homens de letras interessados em haicai vêm divulgando suas composições em jornais e revistas, ou publicam coletâneas de haicais ou traduções relacionadas com o assunto. Desejaríamos relacionar todas as coletâneas, traduções e outros trabalhos surgidos depois de 1950, nas por falta de espaço não podemos fazê-lo.

A seguir, apresentamos alguns exemplos de haicais compostos no Brasil, com tradução livre, para apreciação dos interessados.

História de algumas vidas

Noite. Um silvo no ar,
Ninguém na estação. E o trem
passa sem parar.

Aru jinsei no koshiikata

Yoru. Kiteki no oto.
Mujin no eki.
Kisha tsûka.

Guilherme de Almeida
Os meus Haikais



Na poça de lama
como no divino céu,
também passa a lua.

Misora wataru goto
niwatazumi wataru tsuki

Afrânio Peixoto



Paz. Forte em ruínas,
E na boca de um canhão
Um ninho de pássaros.

Hôkô ni tori no su
toride ato shizuka

Luís Antônio Pimentel




Pelas mãos do vento
Deus colhe flores no campo.
Que festa há no céu?

Ten ni utage ka
kami kaze no te mote
nohana tsumu

Primo Vieira



(Os três últimos haicais foram extraídos de O Haikai de Oldegar Vieira).



NATAL

Sapatos vazios...
Não podia compreender
O pobre orfãozinho.

Kurisumasu

Kutsu wa kara
nattoku ikanu
koji aware

Waldomiro Siqueira Júnior
Haikais




face à primavera
a boneca de papel
frágil a beleza

Haru nare ya
kami no hiina no
kabosokute

Pedro Xisto
Caminho



TERNURA

Ternura!
É como este Ouro que cai
da tarde em poente...

Jiai

Yasashisa yo!
Nishi e ochi yuru
Hi nimo nite...

Gervásio Leite




PARTIDA

Partida, hora amarga
Enche-se alma de saudades
E os olhos de lágrimas...

TABITACHI

Tsurai wakare
bojô o mune ni
me ni namida...

Ulisses Cuiabano




Cai, riscando um leve
traço dourado no azul,
uma flor de ipê !

Aozora ni
kin no sen hiku
ipê rakka!

Hidekazu Masuda




Brisas refrescantes
esgueiram-se ao sol ardente...
Penumbra do tato...

Yakitsuku hi
nogareshi kaze no
suzushikeri...

Jorge Fonseca Júnior



(Os quatro últimos haicais foram transcritos do Anuário do Oeste Brasileiro, 1943)






1 de maio de 1997

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