Paulo Franchetti, professor titular da Unicamp e autor do clássico “Haikai: Antologia e História”, foi homenageado como reconhecimento à sua contribuição para o desenvolvimento do haicai no Brasil. O evento teve lugar na tarde de 9 de novembro de 2024, na Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social – Bunkyo, durante a Cerimônia do Prêmio Bunkyo de Literatura 2024. A iniciativa foi da Comissão de Assuntos Literários – Língua Portuguesa.
O Professor Franchetti possui uma carreira acadêmica de grande vulto, tendo galgado todos os degraus até alcançar a posição de Professor Titular no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp. Na mesma universidade, também se destacou como diretor da Editora da Unicamp e presidente de seu conselho editorial.
O gosto pela cultura japonesa precede o haicai e vem de sua infância passada na cidade paulista de Guaíra, na fronteira com Minas Gerais, marcada por intensa colonização japonesa. Lá ele teve muitos amigos nipo-brasileiros, e a cultura da comunidade estava fortemente presente em seu cotidiano, por meio das festas, das comidas e dos sons da língua japonesa. Seus estudos posteriores devem muito a essa base afetiva.
Iniciou seu interesse pelo haicai durante o mestrado, terminado em 1982, cujo tema foi a Poesia Concreta, que atribuía grande importância à escrita ideogramática. A Poesia Concreta encontra no ideograma chinês uma referência para explorar o poder visual das palavras, rompendo com a linearidade textual. Posteriormente, Franchetti conheceu a obra dos escritores portugueses Camilo Pessanha e Wenceslau de Moraes, que viveram no Oriente. Por outro lado, inspirado pelas traduções que Haroldo de Campos e Octávio Paz fizeram de poemas chineses e japoneses, leu outros autores ocidentais como Lafcadio Hearn e Basil Chamberlain, que escreveram sobre o Japão e a China. Conheceu a seguir o trabalho de Paulo Leminski sobre Bashô. Isso o levou às obras do inglês R. H. Blyth, um dos maiores divulgadores do haicai no ocidente e, em sequência, a autores como D. T. Suzuki e Allan Watts.
A curiosidade por aprender na prática como funciona o uso de ideogramas levou Franchetti ao estudo, primeiro do chinês, e em seguida do japonês, inicialmente na Aliança Japonesa de Campinas, e a seguir em aulas com sua colega da Unicamp, a professora Elza Doi. Durante essas aulas, eram estudados haicais e sua tradução.
Esses haicais iriam dar origem a uma das obras mais importantes do Professor Paulo Franchetti, de título “Haikai: Antologia e História”, publicada pela Editora da Unicamp em 1990, em coautoria com a professora Elza Doi. Constituem-se na primeira publicação de um conjunto significativo de haicais (mais de 100) em formato bilíngue, contrapondo os originais em japonês com suas traduções para o português. Quanto à “História”, trata-se do texto introdutório que Franchetti escreveu para acompanhar as traduções, que constituiu a primeira exposição sistemática e rigorosa, em língua portuguesa, da poética do haicai, ancorada em farta bibliografia.
Passados 34 anos desde sua primeira edição, é possível avaliar a profunda influência que esse livro exerceu no estudo do haicai no Brasil. “Haikai: Antologia e História” tornou-se uma referência clássica e indispensável para o estudo e a divulgação da poesia japonesa no Brasil, com quatro edições publicadas até o momento e ampla citação em trabalhos acadêmicos. Foi um trabalho pioneiro em abrir ao ao grande público uma janela em língua portuguesa para decifrar o haicai de Bashô e outros mestres.
A história do haicai no Brasil também foi objeto do estudo do professor Franchetti. Seu artigo “Notas sobre a história do haicai no Brasil”, foi originalmente publicado em 1994. A versão mais atualizada, intitulada simplesmente “O haikai no Brasil”, foi incluída na quarta edição do livro “Haikai: Antologia e História”. Nesse artigo, o professor Franchetti sistematiza e contextualiza a recepção e o desenvolvimento da forma poética desde sua chegada, pela via francesa, sua recepção pelo Modernismo e o registro dos principais nomes ligados ao tema, como Afrânio Peixoto, Guilherme de Almeida, Jorge Fonseca Jr., Millôr Fernandes e Paulo Leminski. O artigo verifica o cruzamento recente desse haicai com a prática, pelos imigrantes, do haiku em língua japonesa, e dá por fim especial atenção ao grupo de haicai em português formado em torno do mestre Goga Masuda, definido como representando um novo estágio na apropriação do haicai pela literatura brasileira.
Além de estudioso da teoria, o professor Franchetti também é haicaísta. Estreou com cinco haicais na antologia dos membros do Grêmio Haicai Ipê, de título “As Quatro Estações”, de 1991. Posteriormente, lançou uma coletânea individual, intitulada “Haicais”, em 1994. Em 2008, lançou uma nova coletânea, denominada “Oeste”, desta vez bilíngue, tendo sido a versão em japonês realizada pelo mestre Goga Masuda.
O professor Paulo Franchetti teve uma contribuição fundamental para a consolidação do haicai no Brasil, expandindo sua atuação para além do ambiente acadêmico. Ele se destacou no estudo desse gênero poético, promovendo sua afirmação como uma forma de expressão enraizada em tradições específicas. O desenvolvimento do haicai no Brasil contou com o apoio de estudiosos como ele, que incentivaram seu reconhecimento e sua prática.
[Essa é ] a frase que mais me impressionou, lendo os relatos dos ensinamentos de Bashô, a que tem guiado toda a minha prática e atividade crítica de haicai: ‘As obras produzidas pelo espírito são boas, mas as produzidas apenas com artifícios de palavras não são dignas de respeito’. (Paulo Franchetti)
Relembramos o V Encontro Brasileiro de Haicai, realizado no Centro Cultural São Paulo, há 34 anos atrás, em 10 de novembro de 1990, quando, apenas alguns meses após o lançamento de “Haikai: Antologia e História”, o professor Paulo Franchetti brindou a todos com uma palestra memorável. Em seguida, juntou-se aos presentes para participar do concurso-relâmpago, onde o desafio era compor em 20 minutos um haicai sobre o tema “grilo”. Seu trabalho foi classificado em primeiro lugar e a sua leitura trouxe o assombro do encantamento à plateia daquela noite. Eis o inesquecível haicai vencedor:
Os grilos cantam
apenas do meu lado esquerdo—
Estou ficando velho.(Paulo Franchetti)