Nova relação de lugares poéticos brasileiros

Utamakura Brasileiro: Livro II
Benedita Azevedo (organizadora)

Relação de lugares poéticos (Lugares poéticos com texto descritivo e haicai de exemplo. Total de 87 haicais e 21 autores). Apresentação de Edson Iura. Inclui bio-bibliografia da organizadora e dos autores. Porto Alegre, Bestiário, 2023, 130 páginas, 14cm x 21cm. ISBN 978-65-85039-97-0. Contato: www.bestiario.com.br.

Da apresentação: “A palavra japonesa utamakura denomina um recurso retórico da poesia tradicional japonesa, em que o uso de nomes de locais específicos serve para evocar associações e estados de espírito, adicionando profundidade e sugestão aos versos. Tais locais podem ser acidentes geográficos, cidades e paisagens, marcados por sua beleza, peculiaridades ou por eventos históricos que ali se processaram. Na origem, aconteceu inicialmente de poetas coletarem histórias sobre certos lugares. À medida em que as gerações se sucediam e as histórias se acumulavam, um senso estético estereotipado começou a se cristalizar em torno das expressões e sentimentos específicos a cada local. Algum tempo depois, mesmo poetas que pouco viajavam podiam se aproveitar das evocações emanadas à simples menção desses nomes geográficos, doravante classificados como utamakura. Dissemos que os utamakura resumiam uma percepção estereotipada. Isso foi objeto da reflexão de Matsuo Bashô. Durante suas viagens, ele fazia questão de pisar no solo de cada utamakura. Em seu trajeto, ele comparava os poemas waka escritos por poetas do passado, que pouco saíam da Capital, com as percepções que ele tinha pessoalmente. Se um poeta de waka escrevia sobre o Rio Mogami, ele recorria à imagem tradicional, partindo desse cenário padronizado para desenvolver seus versos. A inovação de Bashô foi invocar o utamakura do passado para associá-lo ao frescor da observação: Colhendo em torrente/ as chuvas do quinto mês/ desce o Rio Mogami (Trilhas de Oku, 1694). Para Bashô, o rio perigosamente avolumado parece ter engolido todas as chuvas da província durante seu trajeto. Não é mais a paisagem idílica de barcos de arroz cantada pelos antigos. Agora é a força assustadora da natureza, traduzida pelo fluxo torrencial de água, após as chuvas abundantes do verão. Trata-se de um cenário só revelado a um poeta viajante que caminhasse por essas terras. É um contraponto à imagem estilizada do waka, mas ao mesmo tempo um diálogo com todos os poemas da tradição que um dia cantaram o Rio Mogami. O utamakura, travesseiro poético, cumpre essa função quase sagrada de unir o passado e o presente. Sob a inspiração de Bashô, o desafio dos haicaístas é transcender os estereótipos dos catálogos das agências de viagem e enriquecer cada utamakura brasileiro com o frescor da observação única e pontual.”

Amostras:

Caminho da Graciosa —
Nas curvas da estradinha
também vai a névoa
Alvaro Posselt

Parque Tingui
A contação de história
à sombra da estátua
Jô Marcondes

Pedra do sino —
Sons, caminhos… espaço
para o coração
Rose Mendes

Pés de tamarindo —
A Casa do Rio Vermelho
repleta de histórias.
Sylvia Mercadante


Este espaço tem por objetivo divulgar a produção haicaísta em língua portuguesa. Se você é autor, clique para saber como expor seu trabalho gratuitamente.