Vislumbres do tempo

Diafragmas
David Rodrigues

Coletânea de haicais (333 haicais). Apresentação do autor. Inclui bio-bibliografia. Vila Nova de Gaia, Elefante, 2023, 140 páginas, 14cm x 21cm. ISBN 978-972-8413-46-0. Contato: elefante-editores.net/product/diafragmas/

Da apresentação: “Este livro é um livro simples: não procura deslumbrar pela erudição, encandear pela forma ou maravilhar pela filosofia. É um livro que procura a forma despojada, direta e subtil que está no âmago da escrita da poesia haiku. Em rigor muitos dos tercetos aqui publicados não seriam considerados haiku pelas regras mais estritas e tradicionais. Talvez a maioria fosse classificada como senryu, um poema com forma semelhante ao haiku mas mais livre, leve e humorístico. Na verdade, estas categorizações e divisões (o que é e o que não é) são para mim bizantinas e interessam-me muito pouco tal como me interessaria a discussão sobre a partir de quantos cabelos perdidos é que uma pessoa se deve considerar careca. Tenho uma profunda admiração pela poesia japonesa, tanto clássica como contemporânea e dela retiro para este livro três características que me parecem essenciais: antes de mais a concisão (procurando balizar os textos para a referência das 17 sílabas métricas), a celebração do momento presente (a expressão de uma fotografia, um instante de discernimento ou epifania) e finalmente de acompanhamento da Natureza (dirigir e atenção para a Natureza e as mudanças que o desenrolar das estações nos sugere). O haiku vive muito da tensão entre uma condição geral e um elemento disruptivo que desafia e desequilibra o que parecia lógico e previsível. Esta tensão organiza-se à volta de uma palavra-chave designada em japonês por kireji. E é por esta razão que neste poema, apesar de tão curto, se pode encontrar muitas vezes uma vertente narrativa. Mas o que é mesmo fundamental no haiku é o seu ‘sabor’ (palavra japonesa haimi), o que se recebe dele, de um olhar frugal, impermanente, mas ao mesmo tempo profundo sobre o mundo. O haiku vive muito desta incompletude que só a recetividade e sensibilidade do leitor pode minorar: ‘o poeta escreve metade e o leitor outra metade’.”

Amostras:

Ao pôr do sol,
embebem-se nas árvores
bandos de pardais.

Borboletas velhas?
Para que lhes serviria
a experiência?

Não te vi partir:
só lembro os campos imóveis
cobertos de névoa.

Nem vista, nem som:
é mais o ar que depois
corre atrás de ti.

Este espaço tem por objetivo divulgar a produção haicaísta em língua portuguesa. Se você é autor, clique para saber como expor seu trabalho gratuitamente.