O Haicai no Brasil
H. Masuda Goga


O PRIMEIRO A DIVULGAR O HAIKU


O haiku é chamado haicai, mas sua grafia varia muito. Sua pronúncia seria aicai, já que o h é mudo em portugues. Exemplos: haicai(s), haikai(s), hai-kai(s), hai-cai(s), haiku, hokku, etc. No dicionário de Aurélio Buarque está registrado Haicai, sendo geralmente aceita essa grafia. E renku está traduzido como haicais encadeados (haicai preso por corrente).

Trova: poema curto, apreciado como arte poética popular do Brasil. Comumente, a quadra tem cinco ou sete sílabas por linha.
A primeira divulgação do haiku na literatura brasileira aconteceu em 1919. Afrânio Peixoto (1875-1947) no prefácio do seu livro Trovas Populares Brasileiras, além de apresentar o haikai, explica:
"Os japoneses possuem uma forma elementar de arte, mais simples ainda que a nossa trova popular: é o haikai, palavra que nós ocidentais não sabemos traduzir senão com ênfase, é o epigrama lírico. São tercetos breves, versos de cinco, sete e cinco pés, ao todo dezessete sílabas. Nesses moldes vazam, entretanto, emoções, imagens, comparações, sugestões, suspiros, desejos, sonhos... de encanto intraduzível" .

E no rodapé da página 19 do mesmo livro, apresenta como exemplo para compreensão:

Uma pétala caída
Que torna a seu ramo:
Ah! é uma borboleta!




Afrânio Júlio Peixoto nasceu no Estado da Bahia e faleceu na cidade do Rio de Janeiro. Escritor, médico, professor da Faculdade de Medicina da Bahia, depois da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Crítico literário, ensaísta, historiador, atuou em vários campos de atividade. Numerosas obras publicadas. Em janeiro de 1928, publicou um artigo sobre haicai na revista Excelsior.
(No original:Rakka eda ni kaeru to mireba kochô kana)
"E esses versos que vão do povo, são também de grandes poetas, Moritake, Shiko, Buson.. que não desdenharam ser haijins ou troveiros populares".

Sustenta ainda que por causa de sua simplicidade e facilidade de composição, o haiku é produzido com toda a naturalidade pela população em geral do Japão. Para mostrar a concisão do haiku, cita a famosa frase de Bashô: "Na composição, não se vá compor demais..." do Kyoraishô, explicando o sentido da mesma.


Sobre as evidências históricas, se de fato Afrânio Peixoto foi o primeiro a introduzir o haiku no Brasil, possivelmente haverá margem para novos estudos. Todavia, considero um testemunho valioso o que o poeta e haicaísta Jorge Fonseca Júnior deixou escrito, pouco antes do seu falecimento em carta datada de 25 de junho de 1985 destinada ao autor destas linhas:


No Brasil, poeta é sinônimo de homem culto, sendo por isso diferenciado do trovador. Talvez por isso o poeta de haiku (haijin) é chamado de "trovador popular".
Um professor brasileiro informou equivocadamente, na televisão, que o "primeiro a introduzir o haicai no Brasil foi Guilherme de Almeida". "Peixoto foi o admirável pioneiro da divulgação e cultivo (digno de efetiva consideração) do haikai no Brasil".


Por outro lado, Oldegar Franco Vieira (membro da Academia Baiana de Letras, jurisconsulto, haicaísta), em sua obra O Haicai - essencialmente japonês?, discutindo o abrasileiramento do haiku (isto é, composição de haiku em português), cita as palavras de Afrânio Peixoto: "Haikais brasileiros.. por que não? Como os kakis de Barbacena ou Nagasaki..."


Essa frase servirá para explicar o entusiasmo de Afrânio, não só na introdução do haiku como na sua difusão e abrasileiramento.


Oldegar Vieira, por sua vez, ao publicar Folhas de Chá (segunda coletânea), em 1976, em homenagem ao centenário de nascimento de Afrâno Peixoto, trascreve na introdução do livro uma missiva a ele endereçada por Afrânio (datada de 10 de dezembro de 1932). Nela é mencionado o haicai de Oldegar Vieira:


Apita o comboio:
Um lenço vai se agitando
Como asa cativa...


Ressha ga kiteki o narasu. Hankachi ga hira hira tobanai hane no yô-ni

(Tradução literal de Masuda)

E recebeu de Afrânio um elogio: "Bashô ou Kikaku ficariam contentes em ter feito este".

Levando-se em consideração a data da carta, Oldegar deve ter iniciado a composição de haiku em época bem anterior e os vinha mostrando a Afrânio.

Se é verdade que Afrânio constitui a presença mais importante nos primórdios da história da difusão do haicai no Brasil, quanto à questão de quem divulgou primeiro haiku em língua portuguesa, é possível que tenha havido outro ou outros que o antecederam.


Isso porque, mesmo antes de 1919, já haviam sido publicadas muitas obras em português sobre o Japão. Podemos supor que o haiku, por causa de sua forma de poemeto extraordinariamente conciso, tenha sido divulgado aqui, de uma ou de outra maneira.


Observação: Na página 20 da sua obra anteriormente citada, Afrânio Peixoto escreve: "Creio também que a nossa trova popular é, e pode ainda ser melhor [em comparação ao haiku], um delicioso gênero literário". Acreditamos que esta nota está relacionada com a observação de Oldegar em seu livro O Haicai - essencialmente japonês? (p. 4l) de que o "apego à trova faz com que uma parte de nossos poetas reaja contra o haiku".


Possivelmente, o livro mais antigo escrito por um brasileiro sobre o Japão é Da França ao Japão, de Francisco Antônio de Almeida, Rio de Janeiro, 1879. Foi publicado dezesseis anos antes da assinatura do Tratado de Amizade entre o Japão e o Brasil (1895). Temos ainda, no início do século: No Japão (1903) de Oliveira Lima; Extremo Oriente - O Japão (1907), Cartas Japonesas (1911) de Luiz Guimarães Filho e Memórias de um Cônsul no Japão (1911) de Manoel Jacinto Ferreira da Cunha e outros.





1 de maio de 1997

escreva-nos! início da página caqui
Índice de
O Haicai no Brasil
Escreva-nos! Início da Página Home Page